Criativo, você se torna.
you gotta get your f ass up and werk, nobody wants to werk these days (voz kim k)
A gente nasceu acreditando que existiam dois lados: os criativos e os não criativos. Criatividade como uma natureza binária. Os que nasceram com bom gosto e os que haviam sidos desprovidos de tal. Que incrustado no nosso DNA existia o gene da criatividade, da genialidade, dos Wolfgangamadeusmozart da vida, dos butterfly footwork like Mohammed Ali. Pra mim, isso era uma verdade inquestionável; haviam os cordeiros de Deus and the rest of us.
Mas esses dois polos em completa oposição é raramente o caso. O mundo da criatividade e do bom gosto estético é mais fluído e permite muito mais mobilidade entre as extremidades. Não é 8 ou 80 e muito menos 8 pra sempre ou 80 pra sempre. Sim, existem pessoas com uma sensibilidade mais apurada desde cedo, o que facilita a atenção aos detalhes. Mas hoje já temos evidências suficientes de que a forma como nos relacionamos com o ambiente ao nosso redor tem um peso significativamente maior. Criatividade e bom gosto são moldados por um contexto e, o mais importante, podem ser aprendidos. Essa é a boa notícia.
A má noticia é que: you gotta get your f ass up and werk nobody wants to werk these days (leia-se com a voz da nossa Kim K).
Enquanto o mundo nos fornece cada vez mais ferramentas de dissociação que deixam os nossos sentidos dormentes, prestar atenção e cultivar mini obsessões que serão só nossas virou praticamente um ato de resistência.
Como isso acontece?
Um gosto específico toma forma a partir de repetições, contexto, memória e associações emocionais com certas referências. Ele é construído a partir de influencias externas. Em consequência, somos moldados (e tomamos decisões) de acordo com o que fomos expostos no passado e o que continuamos consumimos no presente. Nurture > nature.
O fato de todo mundo poder desenvolver a habilidade de ser criativo nao é a mesma coisa que todo mundo já nascer criativo. Sabe a frase “todo mundo já nasce criativo”? Sinceramente, acho que bem não. Acredito que certas coisas exacerbam a probabilidade de desenvolver essa habilidade: circunstancias sociais e econômicas por exemplo, criação de repertório, exposições contínuas para criar novos caminhos neurais etc. A gente tem uma natureza muito econômica em termos de brainpower para o nosso natural ser o "pensar fora da caixa. Acho que é exatamente ao contrário. O natural da nossa biologia é, e seeeempre será, escolher caminhos mais percorridos e familiares.
A gente ama simplificar tudo e quando se trata da criatividade, a matemática nunca foi simples.
O fato dos alecrins dourados existirem não significa que foi um caminho natural pra eles ganharem este título. Eles provavelmente nasceram verdes e só com o tempo e com muito sol na cabeça adquiriram a pigmentação suprema e brilhosa do ✨golddddd✨. Como o nosso cérebro foi programado pra seguir o caminho de menor resistência, poupando o máximo de energia possível, fazer mais do mesmo é o seu default state. Mas se a criatividade é um subproduto de algo não esperado ou improvável ela é o puro ato de resistência contra a automação neural? What a rebel.
Agora a parte que eu mais gosto. Se os criativos e aqueles com bom gosto não são bichos mitológicos e nem fruto da aleatoriedade do destino, como a massa cefálica (🧠) desses alecrins são diferentes dos meros mortais?
(v6 tratem de me valorizar porque as seguintes informações aprendi do zero)
Diagnosticando o cérebro do seu creative favorito:
1. Lobo Occipital - enxergar o que as outras pessoas deixam passar.
Esse é o centro de processamento visual do nosso cérebro. Ele decodifica cores, texturas, profundidade e formas. E quando a gente se expõe intencionalmente a estímulos visuais essa parte fica mais eficiente em reconhecer padrões e fazer relações entre estéticas. Ou até criar a sua própria. O cérebro basicamente aprende a enxergar melhor e interpretar um objeto ou informação visual com mais nuances. Ele vê o que a maioria deixa passar batido.
A gente conhece aquela pessoa, no meu caso quem me marcou foi uma diretora criativa, ela combinava elementos separadamente caóticos que tinham tudo pra dar errado, mas quando ela juntava os elementos aquilo ganhava uma vida que parecia ser impossível de ser ensinado. Ou aquele decorador hiper cool que escaneia um antiquário cheio de cacareco apodrecendo e sabe exatamente os itens pra dar uma quebra na esterilidade e dar um ar de ✨lar✨ pra casa.
(Fun fact: a ideia desse tema veio a partir de uma semente plantada em 2022 após uma reunião de collab da Estilé com outra marca. A diretora criativa dessa outra marca tinha essas sacadas super precisas e era só chuva de acertos - she just got it. Na época eu questionei se a bichinha nasceu com o dom de ser naturalmente cool e pensar fora da caixa. Mas não, não era dom my little vikinha de 2022, era simplesmente uma sensibilidade visual altamente treinada (formal e informal)).
É tão difícil acreditar que esse “feeling” é na verdade uma habilidade como qualquer outra e que esse high level attunement é 100% treinável. E é por isso que eu amo dissecar essas coisas e mergulhao de cabeça neste tema. Imagina acreditar que a gente vai morrer com o mesmo cérebro que temos neste exato momento? Simplesmente humilhante.
Viva a neuroplasticidade.
Avante…
2. Córtex pré-frontal - intuição afiada?
Essa é a área tomadora de decisão do cérebro e ela está associada com a nossa capacidade de planejar e avaliar informações de forma contextualizada. Não entendeu nada? Nem eu quando eu li pela primeira vez. Sabe o sentimento do “something feels off” ou “isso aqui vai funcionar e aquilo não”? Ele parece muito intuitivo mas na verdade é resultado de inúmeras combinações mentais computadas mentalmente e testadas que, ao longo do tempo, foram refinadas e carimbadas na memória. adasadasadas. O discernimento com mais precisão e agilidade.
Aqui me vem na cabeça a Phoebe Philo, old céééline girlie (2008-2018), (essa é a ref), que ressignificou o minimalismo, antes visto como super frio e funcional e meio desapegado e levou para um território sensual e intelectualizado. As peças dela têm uma complexidade emocional que combina 100% com o seu ethos: ela não tem interesse em “make fashion for fashion sake”, as peças refletem o lifestyle de mães, artistas e intelectuais. “For women who move, think and work”.
Depois de 9 anos empreendendo e me expondo continuamente a referências visuais é muito nítido pra mim a construção dessa metodologia internalizada que desenvolvemos. Construída a partir de testes, riscos, erros; remixando coisas que funcionavam e outra que não e assim, engavetando todas essas informações pra tomar decisões mais calculadas no futuro — entendi que o “gut feeling” é algo altamente cognitivo e tem que ser respeitado.
3. Hipocampo - estoque de refssss.
Esse é o hub da memória. Nessa parte acontece o resgate de referências do passado. As “mentes criativas” têm uma capacidade aguçada de arquivar elas e fazer associações cruzando informações de diferentes momentos do tempo. Pensa no remix de refs que podem rolar.
Aqui está aquele clássico exemplo de alguém que fez uma coleção inspirada em algum movimento arquitetônico ou artístico e uniu com a textura da cortina da casa da avó onde almoçava todo domingo e os uniformes de capoeira da escola do irmão mais velho. Uma mistureba de coisas que (praticamente) não tem nenhuma coerência mas a união delas traz algo com muito sabor.
Tem uma frase em inglês que resume neuroplasticidade (que é a capacidade que o o nosso cérebro tem de mudar fisicamente e criar novas conexões): “Neurons that fire together wire together”. Mas pra estes neurônios dispararem de forma significativa e trazer implicações relevantes pra nossa criatividade é necessário uma atenção focada e não difusa. You know where this is going…A gente cria este “olhar” mais atento, o bom gosto e a fluência estética (tudo farinha do mesmo saco) com aprofundamento e presença real nas nossas percepções. É só com essa atenção(!!!!!!) que conseguimos captar os detalhes visuais e sensoriais que passam despercebido pra maioria e separar o joio do trigo. (passei minha vida inteira achando que era shoyu do trigo vlws)
E a pergunta que não quer calar: como a gente vai proteger a nossa capacidade de prestar atenção quando os tech bros do vale do silício estão recebendo os maiores salários da folha pra poder fazer exatamente o contrário? Sugados pelo vórtex do algoritmo estamos treinando os nossos cérebros a pensar de forma rasa, o que o Nichola Carr chama de “scattered brains” em The Shallows.
(Queria muito saber se alguém também já está traçando essa estratégia. Talk to me if u are because i’ve got some master tips muahaha.)
Tem uma frase de um dos meus livros preferidos <3 chamado Four Thousand Weeks
“Your experience of life will be determined by what you pay attention to”.
-Oliver Burkeman
Metabolizar o mundo pra formar meu gosto pessoal é, na minha visão, uma das coisas mais importantes da vida. De acordo com Susan Sontag “there is something like a logic of taste: the consistent sensibility which underlies and gives rise to a certain taste”, o gosto pessoal tem uma inteligência acumulada, uma reflexão do que você enxerga, processa e internaliza. O grande problema é que ele é construído aos poucos e não em um vídeo de 17 segundos. Por isso, cá estou eu depois de tentar escrever esse texto umas 8954084098 vezes (e falhando miseravelmente em comprimir todos os meus deadlines de disparo dessa edição), resistindo ao fk Resistance e concluindo mais um textaaum. Dias de luta, dias de glória.
Adorei!! Esse tema ronda muito a minha vida também. Sempre tive um olhar aguçado para coisa diferentes e sempre me senti bem nesse lugar (criada por mãe psicóloga que considerava o melhor programa levar os filhos a museus/exposições).
Conclui o meu mestrado em belas artes com o tema "literacia para criança: a importante de saber ler imagens". Literacia é um termo que só existe em Portugal que é sobre a capacidade que temos de ler imagens como lemas palavras. Na dissertação defendi que assim como aprendemos a ler e escrever na escola, também precisamos aprender a ler imagens, e a partir disso criar a nossa própria bagagem de referencias e criatividade. Sendo assim uma coisa completamente construída e exercitada.
Enfim, amo esse tema e super me identifico!!! Obrigada por escrever!
Que incrível. Parece que estou lendo uma matéria de revista dos anos 90. Só que mais culta (vibes sex and the city, até li com a voz da Carrie skskksksk)